terça-feira, 17 de maio de 2016

O cristão e o mercado de trabalho - Part two

Quando falei sobre o cristão e o mercado, entendemos que nós cristãos temos deixando a vida pública e, portanto, deixado de informar a sociedade por meio de princípios divinos, principalmente, devido ao pensamento dualista – sagrado x secular que permitirmos adentrar na igreja. Mas como isso aconteceu?

Vejamos! O cristianismo começou na comunidade judaica – região da Galileia, a Terra Santa e nas vizinhanças de Jerusalém. Quando chegou nas cidades gregas, adentrou em um mundo que pensava totalmente diferente – as ideias do mundo greco-romano eram grandemente influenciadas pela filosofia grega. Assim, o cristianismo incorporou elementos de tais filosofias. Platão e Pitágoras colocavam o mundo físico sob uma ótica negativa. Ele era temporário e muito menos valorizado e o corpo não passava de uma prisão. Se olharmos para trás, apesar de o Antigo e o Novo Testamento serem essencialmente holísticos e integrados, a antiga cosmovisão dualista grega, teve uma profunda influência em toda a história da igreja. Elementos desse pensamento continuam a reaparecer em expressões das crenças cristãs. Essa divisão entre espiritual e físico – ou mundano vem desse pensamento grego – dualista. Quando enfatizamos que as atividades “espirituais” (encontro de orações ou estudos bíblicos, missões) como o único modo satisfatório de vivermos nossa vida cristã fielmente ou sempre que inferiorizamos as coisas do mundo físico ou as vemos como irrelevantes (meio ambiente, governo, arte, justiça, saúde pública) estamos nos deixando informar pelo pensamento grego dualista. Nesse aspecto, os cristãos passaram a acreditar numa espécie de hierarquia: a vida contemplativa era mais elevada e espiritual, enquanto a vida ativa era mais comum e menos espiritual. O trabalho do padre, da freira, enfim dos trabalhadores religiosos era santo, enquanto o trabalho do fazendeiro e da dona de casa era “secular”. Os padres eram justificados porque realizavam um trabalho santo. Para as pessoas comuns serem justificadas elas teriam que desempenhar tarefas espirituais como ir à missa, pagar indulgências e dar esmolas aos pobres. Todavia, reformadores como Lutero e Calvino desafiaram a cosmovisão dualista que havia adentrado à igreja, recuperando uma cosmovisão holística e bíblica. Eles reconheceram que não existe uma dicotomia entre sagrado e secular, o que existia era uma vida consagrada ou não. Se a justificação é pela fé, Lutero concluiu: a vida contemplativa dos monges e padres não é nem superior nem inferior a vida ativa do fiel fazendeiro, marceneiro e da dona de casa. Lutero compreendia que, se somos salvos pela graça mediante a fé, o que importa é a consagração ou a não do trabalho do indivíduo. De repente, todo trabalho contando que seja legítimo, torna-se sagrado. A reforma chamou a igreja para fora do prédio e para dentro do mundo desafiando a mentalidade dualista presente na igreja da idade média. O problema é que tempos depois, a grande comissão de Mat 28.18-20 foi reinterpretada pelo paradigma dualista como sendo para trabalhadores religiosos profissionais, desejosos de trabalharem no exterior e separar-se do trabalho local comum indo proclamar o evangelho em localidades distantes. Ao abandonar a cosmovisão bíblica, de uma vida inteira, integral diante de Deus, muitos braços da igreja se retiram do mercado de trabalho. Nesse modelo, a fé cristã passou a não informar a vida cultural de muitos cristãos. Isso tornou a igreja como um todo, altamente irrelevante diante da profunda crise cultural que o mundo enfrenta. 

 Baseado no livro vocação - Darrow Miller.

O cristão e o mercado de trabalho

Apesar do número de cristãos ter aumentado consideravelmente nos últimos tempos, as famílias, as comunidades e a sociedade continuam atoladas em seus problemas, continuam desmoronando e indo de mal a pior.

Por que algo tão contraditório tem acontecido?

A igreja tem deixado a vida pública e abandonado o mercado de trabalho porque substituiu a cosmovisão bíblica por elementos da cosmovisão animista – um dualismo grego que faz separação de realidades entre física e espiritual pressupondo que a espiritual é a mais importante, bem como por elementos da cosmovisão materialista – Essa cosmovisão materialista vai nos informar que o trabalho é apenas uma forma de sustentar o nosso status quo. Assim, vamos viver nos equiparando aos nossos vizinhos em relação ao prestígio de nossas carreiras e em relação a maneira confortável que mantemos as nossas famílias. Vamos nos pegar pensando no quanto seríamos mais felizes se conseguíssemos trocar o nosso carro por um carro do ano, ou se mudássemos de bairro... Quem sabe se acrescentássemos mais alguns cômodos à nossa residência. Nesse sentido, o trabalho vai sim se tornar um ídolo, um deus e nós, cristãos, vamos nos sentir perturbados quando vermos o quanto não somente fazemos parte desse mundo, mas o quanto também somos dele... O quanto nos dedicamos ao trabalho porque buscamos exatamente as mesmas coisas que os gentios buscam... o que vestir, o que comer e o que beber. A visão animista, por sua vez, irá apresentar o trabalho como uma fatalidade... Ele é intrínseco à sobrevivência. Não há o que fazer, precisamos trabalhar se quisermos viver.
O Cristão, portanto, por ter deixado sua visão de trabalho ser moldada por tais elementos, vai deixar escapar o verdadeiro impulso ao trabalho diligente... Aquele impulso de revelar beleza, verdade e justiça, foi substituído por satisfação do ego e sobrevivência... Resta então buscar por algo que seja espiritual, afinal de contas ele foi ensinado que se não estiver no “ministério” é um cristão de segunda categoria, alguém menos espiritual. Vai começar a se sentir culpado em relação a qualquer trabalho secular que realizar... É preciso deixar o mundo em busca do espiritual. É preciso deixar a arena secular e entrar na arena espiritual para que eu me torne um obreiro de tempo integral. Desse modo, pastores, evangelistas, apóstolos, missionários, estes sim trabalham integralmente na obra, já que somente esse tipo de atividade é espiritual. Empresários, agricultores, contabilistas, cineastas, essas são atividades seculares, portanto, menos espirituais e inferiores. Alguns, nesse engano, vão conseguir deixar o trabalho, outros não. Esses que não conseguirem vão começar a sentir que precisam compensar isso de algum modo. Pensarão: como não consigo ser um obreiro de tempo integral vou realizar atividades espirituais dentro do meu ambiente de trabalho. Começam, então, a promover reuniões de célula, grupos de oração, colocam louvor para tocar o dia inteiro... Não estou dizendo que é errado fazer isso, o que estou dizendo é que muitos assim farão, na maioria das vezes até de modo inconveniente com a intenção de compensar algo, já que profanaram aquilo que é legítimo e puro aos olhos de Deus. Essa dicotomia não existe. Esse pensamento só irá nos tornar meras sombras do que fomos chamados para ser. Desengajaremos a igreja e estaremos cada vez mais confinados nas paredes dos prédios e fora do mundo onde estão as necessidades e os necessitados. Nossa vida se resumirá a morrer e ir para o céu. A oração que Jesus nos ensinou “venha o teu reino” perderá totalmente o sentido. Impediremos que nações sejam discipuladas com base em verdade, beleza e justiça e que a cultura do reino seja implantada.
Claro que sabemos que há pessoas que são chamadas para atividades exclusivas na igreja, mas essa decisão não pode ser baseada no erro de profanar o trabalho em si. Antes de abandonar a sua carreira, reflita se ela não pode ser a forma pela qual Deus irá cumprir os propósitos Dele em sua vida e por meio de sua vida.